quinta-feira, novembro 12, 2009

As raízes de minha megalomania


Minha infância foi marcada por um acidente que me ameaçou ainda feto. Mamãe seguia de São Paulo para Fortaleza, pejada de sete meses, quando o avião caiu. Nos idos de 1953, os vôos eram a hélice e a segurança aérea, precária. Com arranhões leves, a velha sobreviveu e eu nada sofri. Quando nasci, dizia-se que papai desabafou com uma profecia bombástica: “Esse menino vai ser, no mínimo, o presidente do Brasil”.

Graças a Deus não trilhei o caminho da política. Mas sua expectativa grudou em minha pele como hera em reboco. Em meus verdes anos, sentia-me destinado ao sucesso. Por isso, sofri horrores com notas medianas, passáveis, que tirava na escola; com a falta de habilidade de paquerar as meninas; com os tropeções nos bailes. Por mais que tentasse, não houve jeito, eu me debatia entre o que esperavam de mim e minhas inadequações que me condenavam a continuar medíocre, comum.

Converti-me ao cristianismo em uma igreja evangélica que, de pronto, ensinou-me a “dar testemunho”. Em outras palavras, tinha que influenciar o mundo como luz e sal. A igreja repetia o padrão de minha casa: Eu nascera para ser o melhor, em qualquer situação e onde estivesse. Andar na linha não era apenas dever, mas condição espiritual.

Quando passei pela experiência pentecostal, piorou. Depois de revestido de poder, do poder de Deus!, eu não poderia me contentar com nada que não guindasse ao primeiro, ao melhor, ao máximo. Superlativos passaram a constar em meu vocabulário. Virei pastor e os alvos continuaram extremos. Eu deveria espelhar a virtude do Espírito, que repousava sobre mim.

Com esse histórico, fui treinado para tornar -me megalomaníaco. Espremido por roteiros alheios, por agendas ufanistas, por esperanças inumanas, assumo, tornei-me um Macunaíma com pretensões quixotescas. Desfigurei-me. Obcecado por fazer valer expectativas familiares, religiosas e espirituais, delirei com sonhos grandiosos.

Esforcei-me para compensar limitações. Torrei anos trabalhando, sem férias. Vesti armaduras emprestadas. Cobri-me com maquiagem espessa para representar o herói que nunca fui. Empurrei relacionamentos para o extremo da funcionalidade. Resignifiquei pragmatismo. Criei lógicas maquiavélicas. Distanciei-me de amigos. Evitei ambientes íntimos. Esqueci de poetar.

Parecido com o alcoólico, o megalomaníaco demora para admitir sua doença. Precisei levar porrada na boca do estômago; ver ruírem presunções com percalços familiares; sofrer deserções; e, principalmente, acordar para a finitude da vida. Por volta dos quarenta, na meia idade, vi que não teria tempo, forças, ou ânimo para continuar naquele ritmo alucinante. Contei os anos que me restavam e vi quão fútil e delirante tinha sido a minha agenda do sucesso. Eu tinha que implodir o projeto megolamaníaco que deu tanto combustível para a lida.

Acho que amadureci. Com o nariz menos empinado, pretendo caminhar despretensiosamente pelos dias e semanas que me restam. Agradeço aos meus pais por seus sonhos, à igreja por sua boa vontade e aos pentecostais por me mostrarem além das zonas de conforto, contudo, não vou seguir seus mapas, roteiros, catálogos. Prefiro ir numa toada menos presunçosa. Continuarei com o meu melhor, mas sem a obrigatoriedade de imitar os deuses do Panteão grego, belos, perfeitos e eternos. Sei que, sem precisar impressionar, encontrarei mais momentos de alegria e satisfação. E isso será bastante.

Ricardo Gondim

Soli Deo Gloria

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